sexta-feira, 29 de julho de 2016

Sobre o amor e o acontecimento ou quando a filosofia pulsa na vida

"O acontecimento é imaterial, incorpóreo, não susceptível de ser vivido. O acontecimento é o vapor que sai dos estados de coisas,
não se confundindo com elas. Por outro lado, o acontecimento é da ordem do Aiôn, do tempo que excede todas as formas ordenáveis de tempo (Chronos) e que se apresenta como um imenso tempo vazio. O acontecimento é não da ordem do tempo classificável, o tempo cujos instantes se sucedem, mas da ordem do devir, o qual pertence ao tempo da imanência, dos entre-tempos que se sobrepõem. «O entre-tempo, o acontecimento, é um tempo morto, aí onde não se passa nada, uma expectativa infinita que é já infinitamente passada, expectativa, reserva. Esse tempo morto não vem depois do que
acontece, ele coexiste com o instante ou o tempo do acidente, mas como imensidão do tempo vazio em que o vemos ainda por vir e já chegado» (p. 139 port). Portanto, o acontecimento não é nem temporal nem espacialmente ordenável, ou para retomar uma expressão de O que é a Filosofia?: «o acontecimento não se preocupa com o lugar onde está, e não quer saber há quanto tempo existe»

Encontrei esse texto aqui: http://cfcul.fc.ul.pt/biblioteca/online/pdf/catarinanabais/filosofiaarteciencia.pdf

Ele é uma tentativa de comentar alguns conceitos deleuzianos, como o de acontecimento. Ando pensando sobre ele também, só que a partir de uma perspectiva mais íntima. No entanto, a teoria se relaciona com a vida e preenche de significados certas sensações que a gente ainda não tinha encarcerado na linguagem. Então, eu me aproximo da teoria porque preciso de sentidos e de vazios preenchidos.

domingo, 12 de junho de 2016

Rouxinol - Milton Nascimento




Milton tem me sustentado muito nos últimos dias. Ser brasileira, hoje, só me orgulha pelas obras que artistas como ele trazem ao mundo. De resto, tudo tem sido muito sombrio e tenebroso.

"Rouxinol me ensinou
Que é só não temer
Cantou
Se hospedou em mim"

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Nise, o coração da loucura


Nise da Silveira é uma figura incrível. Sua trajetória é emblemática para diversos grupos sociais, das feministas aos profissionais de saúde mental. Sua importância política é simbólica. Digo isso, pois personagens assim, contemporâneos, fortes, que habitam o nosso imaginário, são muito difíceis de ser apreendidos dentro das prerrogativas de uma certo padrão pré-fixado, clássico, de narrativas cinematográficas. Isso ocorre por que essa colagem com o real, opção muito comum, sufoca a própria narrativa e flerta muito próximo com as ciladas de tentar dar conta da vida do cinebiografado na sua totalidade, por exemplo, formando um mosaico confuso, frágil e encadeado dentro de uma logicidade que a própria personagem rechaçava (vide o roteiro dela para Imagens do Inconsciente).

Eu tinha a impressão de que esse filme seria assim. E foi. Há muita coisa previsível nele. Há fragilidades no encadeamento narrativo. Há um maniqueísmo e um formalismo nos procedimentos técnicos que se distanciam e muito da própria Nise. Talvez eu esteja muito impregnada com a imagem da senhorinha que fala à câmera de Leon Hirzsman e que eu tinha revisto em parte em janeiro...


Nise esteve presa por algum tempo. Em Memórias do Cárcere, seu conterrâneo, Graciliano Ramos, menciona sua presença, definindo-a como tímida, inteligente e obstinada. Certamente essa experiência e a sua aproximação com o marxismo foram fundamentais para a sua trajetória profissional. No entanto, essas informações foram menosprezadas no filme. Respeito a autonomia das escolhas que o diretor empreende, mas não posso deixar de perceber a sua atuação como médica, naquele hospital psiquiátrico no Engenho de Dentro, esteva impregnada da sua formação política.

A direção de câmera também me incomodou muito no início do filme. Tive a impressão de não haver uma planificação, algum planejamento, pois os movimentos e a instabilidade, somados aos cortes e enquadramentos me davam a impressão de insegurança. Em outra ponta, havia um flerte com alguns cacoetes de comportamento de câmera que são bens comuns em filmes que tentam escapar das convenções técnicas. Como aquela parada que a distância acompanha o desenrolar da cena sem movimentar-se. O plano de abertura, nesse sentido, foi o que mais me incomodou.

A forma como os grupos de personagens foi construída também não me soou legal. Nise, a heroína, os pacientes, as vítimas do sistema, e os médicos e a equipe técnica do hospital, os insensíveis corruptos, incomodaram-me um pouco. Acredito que esta escolha torna tudo excessivamente superficial.

A direção de atores está bem legal. Acho que Glória Pires se saí bem dentro da proposta do filme.


As imagens finais com trechos do filme Imagens do Inconsciente do Leon Hirszman (um dos meus cineastas favoritos. Falarei melhor dele outro dia) também parecem ser desnecessárias.É o diretor pagando tributo ao real, negociando com a nossa memória sobre ela...

Mesmo com essas considerações que pontuei, o filme é válido. É importante revisatarmos Nise. É importante o público ter contato com figuras como Mário Pedrosa e Fernando Diniz.É importante pensar em políticas de saúde mental menos assujeitadoras. É importante defendermos a não institucionalização banal dos pacientes psiquiátricos.


Link do filme do Hirszman: https://www.youtube.com/watch?v=oJqjlr5TJVw




A primeira vez a gente nunca esquece...

Olá, seja bem-vindo!
A ideia desse espaço é apresentar um pensamento, a partir do exercício da escrita, sobre filmes, séries e outros produtos audiovisuais que tenho contato. A proposta é atualizar com uma frequência quase diária. Não farei daqui um ambiente enauseante de elucubrações proto-acadêmicas. Ao contrário, me interesso pelas sensações do primeiro contato, pelas memórias despertas, por um escritura que não se enquadra em modismos teóricos e nem em discursos críticos verborrágicos.